sábado, 11 de abril de 2009

Em defesa das cotas sociais e raciais


No dia 03 de abril dei entrevista ao jornalista Roldão Arruda do diário "O Estado de S. Paulo". O tema foi a tramitação do PLC 180/2008, que se encontra na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. Abaixo está disponível a matéria, que apresenta minha posição sobre cotas sociais e raciais. Foi publicada no referido periódico no dia seguinte, 04 de abril de 2009.


(***)


O Estado de S. Paulo, dia 04 de abril de 2009. Página A6 - Nacional.


"O Brasil já é um país segregado"
Especialista defende aprovação do projeto que cria cotas, que considera uma maneira de combater o "segregacionismo sutil"

Roldão Arruda



É cada vez mais forte a pressão de instituições não-governamentais, políticos e setores do governo para que o Senado vote e aprove o projeto de lei que cria cotas sociais e raciais em universidades públicas. Existe o temor de que grupos contrários ao projeto criem dificuldades técnicas, com o intuito de prorrogar a sua votação até 2010 - quando as possibilidades de entrar na pauta seriam quase inexistentes, por se tratar de um tema muito polêmico para um ano eleitoral.


O projeto encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que já convocou três audiências públicas para debatê-lo. Um dos especialistas ouvidos pelos senadores foi o cientista político Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ele pediu a aprovação do projeto, afirmando que será uma maneira de se combater o segregacionismo invisível e não oficial que vigora no Brasil.


"Quem fala que o projeto de cotas vai dividir o Brasil não consegue ver que já vivemos num país dividido", disse ele em entrevista ao Estado. "É um segregacionismo sutil, mas tão violento quanto outros processos de segregação. Hoje os negros têm menos possibilidades de acesso à educação dos que os brancos, em todos os níveis de ensino, desde as creches."


A seguir, os principais trechos de sua entrevista.


Críticos da proposta de cotas dizem que esse debate foge das questões que realmente importam para a educação, como a melhoria do ensino básico.
Não há dúvida de que é preciso investir mais na educação básica, melhorar a sua qualidade e reduzir a enorme desigualdade de oportunidades que existe no Brasil. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação defende uma boa escola pública. Mas existem outros problemas além desse. Hoje temos um contingente enorme de estudantes que completam o ensino médio na escola pública e não consegue ingressar nas universidades públicas de qualidade. A política de cotas é uma maneira de quebrar essa barreira. É uma política de compensação. Ela terá um tempo determinado e deverá ser implementada juntamente com outras políticas públicas que garantam a melhoria do ensino básico. Desta maneira, quando a política de cotas acabar, todos os estudantes poderão ter as mesmas condições de acesso à universidade de qualidade.


O senhor defende o projeto com o recorte étnico ou apenas social?
Defendo o PLC 180/2008, proveniente da Câmara tal como chegou ao Senado. Ele combina cotas sociais e raciais. No caso das raciais ele prevê a divisão das cotas com a proporcionalidade, medida pelo IBGE, de brancos, negros, pardos e índios no conjunto da população.


Não acha que isso pode opor brancos e negros, estimulando manifestações racistas?
Das 39 universidades federais existentes no País, 20 já praticam políticas de cotas. E em todos os lugares elas têm sido bem avaliadas. Não houve queda no rendimento da escola, nem atos de ódio racial. Na Universidade de Brasília, uma das primeiras a adotar as cotas, já se vive um novo paradigma educacional, no qual todas as classes e raças podem conviver. A vantagem de um lei nacional é a possibilidade de orientar todas essas experiências, permitindo uma boa avaliação em todo o território nacional daqui a dez anos.


O Brasil não estaria copiando políticas já usadas pelos Estados Unidos, onde a realidade era muito diferente, com um sistema explícito de segregação racial, um apartheid?
De acordo com os últimos dados da Unesco (instituição da Organização das Nações Unidas voltada para a educação), só 0,8% dos negros brasileiros estão incluídos nas universidades. É um grave problema de inclusão que não pode ser ignorado. A experiência nacional mostra que quando se coloca em andamento qualquer política de inclusão, os negros são os menos incluídos. Por isso, se você estabelece uma política de cotas, sem levar em conta essa questão, corre o risco de repetir a experiência: os negros serão os menos incluídos.


Na sua opinião, existe segregação racial no Brasil?
Sim. O Brasil é um país segregado. Pode não ser oficialmente segregado, como aconteceu nos Estados Unidos e na África do Sul, mas na prática é um país dividido. É uma segregação sutil, mas que pode ser medida pelas estatísticas sobre violência policial: os negros são sempre as principais vítimas. Ela aparece também nos índices de acesso às boas escolas públicas, no acesso aos cargos no mercado de trabalho. Ela pode ser notada especialmente nas creches, onde, proporcionalmente, ingressam menos crianças negras que brancas. Se não admitirmos que necessitamos de políticas compensatórias, vamos incorrer no erro de continuar disfarçando um problema real.


Quem é?
Daniel Cara
É cientista político com pós-graduação na USP.
É coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Foi Vice-presidente do Conselho Nacional de Juventude e é diretor da Campanha Global pela Educação.

20 comentários:

  1. Fala Daniel. Respeito sua posição, vou pensar melhor sobre o assunto, mas sou super contra, a princípio. Mas, siga em frente que sei que quer um Brasil melhor.

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  2. Fidel Gallardo Uirch11 de abril de 2009 às 21:28

    Ops, quem mandou esse comentário fui eu. Deu pau no form. Abração, Fidel.

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  3. Concordo com sua posição.

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  4. Conheci seu Blog agora. Sou negro e estudo as políticas de cotas e acho fundamental um branco defender a questão porque acredita na igualdade e não por pena. Ninguém quer pena de ninguém. Tem muito branco que diz que é a favor das cotas porque quer pedir desculpas pela escravidão. Nada há ver. Parabéns pela matéria e continue na luta! Muito legal seu blog.

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  5. Caramba! Bela entrevista! Adorei...

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  6. Acho complicada sua posição porque vai gerar mais segregação do que já há. E o branco pobre? O que vai ser dele? É preciso pensar bem antes de ir para esse caminho errado. Um cara culto como você deveria pensar nisso.

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  7. Nossa, será que você não leu a entrevista? O que o Daniel disse é que JÁ HÁ SEGREGAÇÃO. É bem simples de ver isso, não é? Que infelicidade de comentário. Você não viu que o branco pobre está posicionado no projeto. Caramba! Quanta falta de leitura.

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  8. Sr. Jorge, imagino que se referiu ao meu comentário. Bom, prefiro ignorar a agressividade, pois sei que é favorável ao projeto. Se tiver cotas nas empresas você também vai querer entrar por esse caminho? Acha que o mérito não é importante?

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  9. Amigos e Amigas, fico feliz com o debate. Rodrigo, apenas sugiro uma reflexão: todos nós somos favoráveis à meritocracia. Porém, para ela ser plena é preciso haver igualdade de competição. Um aluno de escola pública possui um enorme déficit competitivo porque não teve acesso a um espaço educativo adequado, com professores condignamente remunerados, por exemplo. Assim, a política de mérito em um país tão desigual gera enormes distorções e acirra as próprias desigualdades. É claro, você pode contra-argumentar que há exceções honrosas, mas, são exceções. Agora Rodrigo, como você explica o fato dos cotistas terem um bom desempenho acadêmico, especialmente se comparados aos alunos não-cotistas? Não há algo de errado no argumento do mérito? Há mérito ou privilégio decorrente de fatores socioeconômicos? Continuemos no debate...

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  10. Eu quero só ver quando seu filho ou filho, sobrinho ou sobrinha for entrar na faculdade. Ai a coisa vai pegar.

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  11. De fato, Rodrigo, pode ser que seja difícil. Ai eu me coloco no lugar de inúmeros pais, mães e estudantes de famílias negras que nunca tiveram a oportunidade de estudar em uma boa universidade e te pergunto: é justo isso? Não defendo cotas infinitas. Defendo prazos. E, principalmente, não acho que elas vão solucionar todo o problema. Mas, são um grande primeiro passo. Não acha?

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  12. Não acho. Acho que você é um branco querendo expiar os pecados dos seus ancestrais europeus.

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  13. Não sou. Sou um brasileiro preocupado com justiça social que enxerga as desigualdades existentes em nosso país e busca meios de enfrentar os desafios históricos que temos como nação. Você acha justo pessoas por não serem brancas terem menos oportunidades?

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  14. Sr. Daniel, acho que se elas não tiverem mérito, não devem ter mesmo essas oportunidades, porque o mundo é competitivo. O Brasil não pode pagar por incompetentes.

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  15. Incompetentes foram seus pais e professores que não te deram educação.

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  16. Pessoal, sem ofensas pessoais. Acredito na liberdade de expressão, mas é preciso ter respeito. Rodrigo fico feliz que tenha vindo ao blog e deixado seus comentários. Acho fundamental que as pessoas tenham coragem de expor suas sinceras opiniões. Porém, discordo das suas. A competência é um critério bem relativo. Há – e você sabe disso – muita gente bem-sucedida extremamente incompetente. Conheço milhares e milhares de pessoas que só porque estudaram no colégio X ou Y conseguem boas vagas de trabalho. E isso ocorre menos pela qualidade das escolas de educação básica que cursaram e mais pelas redes de relação social que estabeleceram. Estudei na USP e também te digo que muita gente pouco capaz sentava naquelas carteiras e não dava a mínima para os estudos. Mas, por terem estudado no colégio Equipe ou Santa Cruz, por exemplo, conseguiam entrar na maior e melhor Universidade do país sem dificuldades. Isso é justo? Engraçado que no mestrado e doutorado sobravam filhos das classes populares, estudantes de escola pública etc. Porém, ainda assim poucos eram negros. O que eu quero é ampliar o número de gente interessada na Universidade, gente que sabe que a oportunidade é aquela. Além disso, reitero, quem defende cotas defende um mecanismo de correção. Ninguém quer outra coisa que a vigência do mérito em todos os espaços da República brasileira, mas é preciso corrigir as coisas. Inclusive e principalmente, é preciso acabar com os privilégios. Porque são eles e não as cotas que foram responsáveis pelo quadro atual de desigualdade.

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  17. Tá. Concordo com a questão do privilégio, enfrento ela todo dia no banco que eu trabalho. Mas fico preocupado porque sou branco, estudei em escola pública e meu filho também é branco. Eu não tive oportunidades. Ele terá? É isso que me intriga. Mas, eu cheguei onde cheguei lutando, entendeu? Só acho, sinceramente, que poderia estar em outro posto, ganhando mais, porque eu sei e conheço todo o serviço. Estou de saco cheio de receber ordens de um boçal que fez FEA e eu que fiz Unip sei mais que ele. Nesse ponto, eu concordo com seu argumento integralmente, até porque você é inteligente, íntegro e educado. Cheguei no Blog porque gosto desse debate e aprendi muito hoje. Agora um ponto importante: eu respeito todo mundo, mas não acredito em pena. E acho que os negros não querem pena de ninguém como já disseram em comentários acima. E também não vou nessa de que tenho amigos negros e etc. Eu tenho. São muitos, mas não é pela cor deles. É porque é gente decente, confiável e trabalhadora, entendeu?

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  18. Ai Rodrigo, desculpa ai. Mas, quem sofreu a parada na pele sabe que é louca essa situação toda. Salve e vai na fé. Fui agressivo, mas viemos do mesmo morro, pelo visto. Salve!

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  19. Aê Daniel, escreve mais, pô! Você escreve e pára. Até agora é só esse post!!!

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  20. Caramba! Fico no futebol debatendo com o Fábio e a polêmica tá aqui... O debate foi quente...

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